
Falta de tempo, rotina, instabilidade financeira, pressão no trabalho. Ter uma carreira ascendente e gratificante, presença com qualidade na vida familiar, envolvimento comunitário significativo e satisfação pessoal parece cada vez mais inatingível. Mas o que norteia todas estas variáveis? O que de fato buscamos? Como ter energia para tudo isso, que acontece ao mesmo tempo para a mesma pessoa?
A resposta: propósito. No dicionário, propósito aparece como tomada de decisão, aquilo que se pretende alcançar ou realizar. De acordo com Peter Senge, autor do livro “A Quinta Disciplina”, enquanto visão é um destino específico, propósito é similar à direção que tomamos. A noção de propósito captura a intenção e o esforço que indivíduos fazem para alcançar seus objetivos. Propósito é a sua marca pessoal, aquilo que faz brilhar os olhos. Não é o que você faz, mas sim como e por que.
A palavra é atualmente um hot topic, como aponta o Google trends. Nos últimos 19 anos, o interesse pela palavra cresceu aproximadamente 4X.
Interesse pela palavra “purpose”, em todo o mundo, de acordo com o Google Trends
Já um estudo conduzido pela Ernst & Young e Universidade de Oxford aponta que o debate público acerca de propósito cresceu cinco vezes entre 1995 e 2014. De acordo com Neal Chalofsky and Liz Cavallaro em seu artigo “A Good Living Versus A Good Life: Meaning, Purpose, and HRD” (2013), este maior interesse vem dos questionamentos de baby boomers quanto às longas jornadas de trabalho e hoje consolidado pela procura da Geração Y por maior equilíbrio na vida pessoal e impacto profissional. Nossas percepções e motivações estão mudando e os autores acreditam em uma nova forma de ver qualidade de vida e satisfação. Não é mais apenas como administramos o trabalho versus o resto de nossas vidas. É um quebra-cabeça com vários aspectos relevantes e que mudam ao longo da vida — família, amigos, vida pessoal, comunidade, trabalho, lazer e espiritualidade.
Além disso, enxergo claramente o crescimento do vazio existencial coletivo com a decadência das comunidades e práticas religiosas no mundo ocidental e a ascensão das redes sociais, que nos provocam múltiplas vezes ao dia com comparações rasas e irreais. As religiões sempre seguiram de compasso para as pessoas, e para minha avó materna, que era extremamente católica, seu propósito era seguir os mandamentos da igreja, cultivando fé e espiritualidade (que vêm de dentro para fora) e acreditando que assim terminaria bem no paraíso. A geração da minha mãe e a minha, no entanto, já não tem a mesma fé, e o buraco da religião foi tapado com a busca pelo material e extrínsico (ex. reconhecimento profissional e dopamina constante).
Para a empresa: Investimento que vale a pena
A maioria das empresas apresenta missão e visão bem estabelecidas e divulgadas, mas poucas tem ou propriamente comunicam seu propósito ou razão de existir. No entanto, consumidores, mais empoderados e informados no processo decisório por uma marca, buscam organizações com valores alinhados. Isto desafia as empresas a repensarem sua identidade e modus operandi para se manterem competitivas no mercado e atraentes para seus funcionários. E operar baseado em valores e propósito autênticos e compartilhados claramente reflete no desempenho da empresa. Por exemplo, empresas com um senso de propósito bem definido, mensurado em termos de impacto social e não só em lucro, performaram 14 vezes melhor no índice S&P 500 — índice de ações comercializadas na NASDAQ ou NYSE — entre 1998 e 2013. Ainda, organizações com propósito claro apresentam maior retenção, tanto de consumidores (75%), quanto de funcionários (quatro vezes mais).
Propósito é simplesmente a razão pela qual uma organização faz o que faz. Ele deve nortear os processos decisórios, desde contratações, ações de responsabilidade social, até decisões de investimento. Seja desenvolver uma comunidade local, revolucionar o modo com que consumidores compram produtos ou adquirem serviços, propósito é, ou deveria ser, o que move as grandes empresas globais.
Para a carreira: por que você empreende ou trabalha?
Ter um propósito é também essencial para navegar a complexidade, volatilidade e ambiguidade em que vivemos hoje; um contexto em que estratégias mudam rapidamente e nem sempre há respostas certas ou erradas. Uma pesquisa com 474 executivos mostra que 90% deles reconhece a importância de ter objetivos e motivações bem definidas para inspirar e gerar resultados. No entanto, menos de 20% de líderes corporativos tem um propósito individual claro e poucos deles conseguem defini-lo concretamente em uma frase.
E de que forma vemos o trabalho? De acordo com Dan Pontefract, autor do livro “the Purpose Effect: Building Meaning in Yourself, Your Role, and Your Organization”, há três formas. A primeira é a orientação por retorno financeiro em que você trabalha para receber um salário e nada mais. Já a segunda é a mentalidade de carreira, orientada pelo crescimento na posição, responsabilidades, influência ou salário. Finalmente, a terceira é a mentalidade norteada por propósito, de se sentir motivado, realizado e fazendo algo que contribua para a organização da qual faz parte. Aqui, a energia se renova e é onde encontramos o flow, estado em que nos concentramos ativamente numa tarefa e alcançamos estados de satisfação profunda.
O aspecto financeiro é inevitavelmente relevante, porém trabalho deve ir além disso. Passamos a maior parte do nosso dia (e de nossas vidas) trabalhando e precisamos encontrar satisfação, inspiração e sentido no que fazemos. Pare um pouco para analisar como você encara o trabalho no dia-a-dia. Se a mentalidade financeira e de crescimento ocupam mais de 50% do seu tempo, é hora de (re)defenir o seu propósito pessoal e profissional.
Para você: Sentido e qualidade de vida
A busca por propósito é inevitavelmente um processo natural e complexo. É o que traz sentido às nossas vidas; é o que nos faz levantar todos os dias animados para correr atrás de nossos objetivos e para deixar nossa marca no mundo.
No livro “Como avaliar sua vida?”, meu ex-professor e autor Clayton Christensen afirma que ter um senso claro de propósito está diretamente relacionado com nossa felicidade pessoal. Sem motivações bem definidas, desperdiçamos nossa energia e recursos naquilo que talvez satisfaça objetivos de curto prazo, mas que não comunica com o que de fato nos importa e agrega valor. Um forte senso de propósito deve permear nossas decisões consistentemente para conseguirmos gerar valor e impacto.
De acordo com Strecher, autor do livro “Life on Purpose”, a força de um propósito de vida pode ser mensurada e envolve viver em consonância com nossos valores e objetivos, e com a vontade de deixar uma marca positiva no mundo. Pesquisas também apontam uma correlação direta entre propósito, bem estar psicológico e uma vida mais saudável. Em estudo de 2014 de Patrick L. Hill e Nicholas A. Turiano, indivíduos com propósito e sentido claros apresentaram uma longevidade significativamente maior. Ter este direcionamento reduz em até 20% o risco de infarto, AVC e doenças cardiacas, além de aumentar a resiliência cerebral em doenças como o Alzheimer.
É interessante também notar que propósito não é um artigo de luxo restrito a poucas pessoas. É uma habilidade psicológica que pode ser cultivada independentemente do grau de escolaridade ou outras condições, conforme demonstra pesquisa conduzida na Universidade de Cornell.
Definindo seu propósito e o colocando em ação
Propósito não é algo imposto, com que você simplesmente se depara ou uma visão que cruza sua mente. Também não é uma fonte única de inspiração ou algo imutável. Propósito se constrói e muda ao longo do tempo. É algo específico, pessoal e que comunica com você e apenas você.
Fácil? Com certeza não! Definir um propósito requer autoconhecimento e tempo. Abaixo, seis questionamentos para o processo de reflexão.
- O que torna você único? O que você faz que te diferencia de outros? Qual é a sua marca?
- O que é importante para você? O que te faz levantar animado no dia-a-dia?
- Qual é a sua visão de carreira e de vida? Que histórias quer contar para seus netos? Qual marca você quer deixar no mundo?
- Analisando sua trajetória, você enxerga um padrão ou tema comum que permeia suas decisões?
- Quais experiências que te desafiaram e fizeram com que você se sentisse inspirado e fazendo algo relevante?
- Se dinheiro não fosse importante em sua vida, o que você faria no próximo ano? E nos próximos 5 e 10 anos?
O rascunho das respostas dessas perguntas — rascunho porque elas nunca são respondidas finalmente, já que estamos sempre evoluindo e esclarecendo nossa relação como nossos valores e identidades — oferece um bom panorama sobre quem você é de verdade, longe dos padrões mais convencionais de sucesso.
Se o seu propósito ainda não está claro, não desista e continue a construi-lo. O importante é colocar em ação o que você acredita hoje, seguindo as suas motivações: articular e viver o seu propósito para uma vida com sentido e impacto.
Artigo escrito por Francine Zucco e Alex Anton